sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Onde Deus mora?

Onde Deus mora? Onde o encontraremos, para que o seu amor, que nos parece muitas vezes silencioso e escondido, nos fale e o rosto de sua fidelidade se revele ao nosso coração inquieto? Onde nos deixaremos alcançar e amar por ele, para que nos contagiem a coragem de existir e a alegria de nos querer humanos até o fundo, segundo o seu projeto e o desejo do seu coração divino? Onde nós, nascidos no tempo poderemos renascer para vida que começa no tempo e não conhecerá ocaso?
A estas perguntas a fé da Igreja responde nos indicando alguns acontecimentos, nos quais a graça do Eterno nos é oferecida em gestos e palavras da nossa história: os sacramentos, lugares do encontro com Deus.  Por isso, conhecer e viver os sacramentos é tão importante para fazer experiência do amor, revelado e doado em Jesus Cristo.
Um esclarecimento inicial irá nos ajudar a ir além da dificuldade de uma palavra, tão antiga e usada quanto frequentemente obscura ou confusa, como é a palavra "sacramento": a palavra deriva do latim, onde era usada com o significado de "juramento de fidelidade" (sacramentum). Entre dois amigos, entre dois contraentes, entre um cidadão e a res publica, estabeleciam-se pactos solenes e selados por um "sacramento". Quando se começou a traduzir a Bíblia para o latim, esta palavra pareceu apropriada para expressar o termo grego "mistério", que no Novo Testamento - sobretudo em Paulo - designa o plano divino de salvação, que se vem realizar no tempo. O "mistério" é uma espécie de pacto com o qual Deus se destina ao homem no amor, entra na sua história e o chama a edificar com ele o seu projeto de salvação. No "mistério", a glória divina é escondida e, ao mesmo tempo, revelada nos sinais da história, como acontece exatamente em Jesus Cristo, em quem Deus nos fez conhecer o desígnio da sua vontade (cf. Ef 1,9), desde sempre envolto no silêncio (cf. Rm 16,25), e nos deu o Espírito para realizá-lo.
O "mistério - sacramento" vem assim expressar o encontro da aliança, que se realiza na história entre a iniciativa divina e a acolhida do homem: o sacramento é o acontecimento, feito de gestos e palavras, do encontro com Deus, que não hesita em "sujar as mãos" com a nossa cotidianidade e os nossos limites, porque nos ama e deseja se encontrar conosco. O Senhor do céu e da terra se faz à nossa medida sem medida do seu amor.
Nesse encontro, assume um lugar importante o nosso corpo, que é atingido pela graça divina através de sinais, gestos e palavras visíveis, perceptíveis e audíveis pelos nossos sentidos também assim o Deus cristão mostra a dignidade e a importância que tem para ele a nossa humanidade em todas as suas expressões. Toda salvação votada só para alma, todo desprezo do corpo e das suas exigências são excluídos do cristianismo, que é, por excelência, a religião do encontro histórico e sacramental com Deus. Pode-se dizer até que o sacramento é o advento de Deus na corporeidade, e que toda a história da salvação, enquanto comunicação da vida divina ao homem nos sinais do tempo e do espaço, é a história do envolvimento de Deus com a consistência da nossa história,  em todas as suas expectativas e resistências, os seus ímpetos e medos: verdadeiramente o amor divino "toma corpo" na história para se comunicar a nós e atrair-nos para si.
Para expressar esse empenho divino total nas palavras e nos gestos humanos, que constituem os sacramentos, fala-se dele como de um "sinal eficaz da graça": com esta fórmula, quer-se lembrar tanto os aspectos visíveis, audíveis e perceptíveis do acontecimento sacramental (o "sinal"), como também a vida divina oferecida aos homens através deles pelo amor do Eterno (a "graça"). A fórmula evidencia, além disso, a relação real e transformadora que se estabelece entre Deus e o homem mediante a celebração do sacramento (a "eficácia"). Ela traduz, assim, a verdade estupenda do encontro pessoal entre o Deus divino e o homem vivo, que se realiza nos sacramentos, através das palavras e dos gestos queridos pelo Senhor, como veículos das sua doação ao home, que é chamado, por sua vez, a corresponder ao dom com a liberdade de um assentimento, que  a graça prepara e torna possível.
O Deus, que quer falar aos homens como a amigos, entra, portanto, na nossa linguagem, assume os gestos e as palavras através dos quais o nosso coração pode ser alcançado, e manifesta assim o maravilhoso poder do seu amor, que sabe fazer-se tudo para todos, contanto que salve, de alguma forma, alguém. A Palavra eterna entra nas palavras do tempo, o acontecimento eterno do amor vem se apresentar nos acontecimentos humildes do amor humano: os sacramentos constituem, nesse sentido, a demonstração contínua da ternura e da compaixão do nosso Deus, e celebram  a sua misericórdia e o perdão, a condescendência com a nossa pequenez e o desejo de nos fazer participantes da sua vida divina. Por isso, os sacramentos representam, na nossa vida, o ponto do encontro historicamente mais intenso com Deus, o lugar concreto no qual a eternidade entra no tempo e os nossos dias na eternidade. Eles são um encontro de amor, uma oferta voltada para a nossa liberdade daquele que, embora seja e permaneço o Senhor altíssimo e onipotente, vive para nós na humildade do "mendicante de amor", que chama, doa-se ele mesmo e espera o nosso sim para fazer - aqui e agora - aliança conosco.

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